quinta-feira, 20 de junho de 2013

Como operadores tentam manipular preço do petróleo

Bektas descreve uma estratégia que ele próprio já usou: oferecer-se para vender uma pequena quantidade de petróleo com prejuízo, para provocar a queda dos preços publicados, e então abocanhar uma grande quantidade do produto por esse preço mais baixo.

Ele diz que a estratégia de negociação funciona da seguinte maneira: digamos que ele está programado para comprar 80 mil toneladas de óleo combustível, a um preço atrelado ao índice diário de referência publicado pela Platts, uma divisão da McGraw Hill Financial Inc. Nos dias anteriores à compra, ele pode colocar à venda quantidades menores com desconto - às vezes de US$ 3 a US$ 5 por tonelada abaixo dos preços de mercado - e informar à Platts esses preços oferecidos.

O ponto fundamental da estratégia é um aspecto peculiar do mercado à vista de petróleo, em que os operadores compram e vendem carregamentos inteiros em barcaças para entrega imediata. Os negócios são fechados em particular, e os compradores e vendedores não são obrigados a divulgar os preços para ninguém. Para chegar a um preço de referência, a Platts tem que confiar nas informações oferecidas de forma voluntária pelos operadores - um sistema muito diferente da maneira como são fixados os preços das ações ou mesmo dos futuros de petróleo, onde são feitos cálculos baseados em dados abrangentes vindos das bolsas.

Qualquer preço com desconto informado por Bektas pode muito bem abaixar o preço de referência de petróleo da Platts - e assim permitir que o operador poupe dinheiro quando fizer a próxima compra. Como exemplo, se os preços caírem US$ 3 por tonelada, ele pode economizar mais de US$ 200.000 num carregamento normal.

Bektas, chefe da firma suíça Rixo International Trading Ltd., não é o único que usa essas estratégias. Vários outros operadores entrevistados pelo The Wall Street Journal disseram que já fizeram transações similares.

Bektas e outros dizem que consideram essas atividades legais, pois não envolvem entrar em conluio com concorrentes, informar preços falsos ou outros comportamentos obviamente proibidos. Mas eles reconhecem que sua intenção é distorcer os preços de referência do petróleo. "Muitas vezes os operadores conseguem manipular as cotações", diz Bektas, que atua no ramo há 20 anos. Ele diz que parou de usar a estratégia e não informa mais à Platts as suas operações - o que é puramente voluntário - desde o ano passado.

A Platts afirma que não está ciente de nenhum caso em que seus índices foram manipulados dessa maneira. Ela afirma que seus funcionários são treinados para identificar os preços informados que pareçam destoar do mercado e ignorá-los ao elaborar o índice de referência. "Não estamos cientes de qualquer evidência de que nossas avaliações de preços não reflitam o valor de mercado", afirmou a Platts em um comunicado.

A União Europeia está examinando a manipulação de preços de referência e investigando se os operadores de petróleo distorcem os preços dos combustíveis para seu próprio benefício financeiro. Em maio, fiscais da UE realizaram inspeções de surpresa nas gigantes petrolíferas BP PLC, Royal Dutch Shell PLC e Statoil SA, assim como na Platts, procurando indícios de manipulação de preços de referência desde 2002. As empresas informaram que estão cooperando com a fiscalização.

A investigação ocorre num momento em que aumentam as preocupações regulatórias em todo o mundo acerca de importantes valores de referência do mercado fixados por entidades não regulamentadas e de forma não transparente. Um escândalo acerca da manipulação da Taxa Interbancária de Londres, a Libor, uma importante referência para as taxas de juros, já envolveu pelo menos três bancos. Reguladores nos Estados Unidos também estão investigando a maneira como preços de referência são fixados para um tipo de derivativo chamado swap de taxas de juros.

Um grupo de reguladores internacionais e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento já expressaram preocupações de que os preços de referência do petróleo estão, possivelmente, sendo manipulados. A Comissão Europeia, o braço executivo da UE, afirmou em uma declaração escrita: "Mesmo pequenas distorções nos preços avaliados podem ter um impacto enorme sobre os preços do petróleo bruto, dos produtos petrolíferos refinados e nas compras e vendas de biocombustíveis, podendo potencialmente prejudicar os consumidores finais".

Scott O'Malia, um dos cinco comissários da Comissão do Comércio de Futuros de Commodities dos EUA, considera que a manipulação dos preços de petróleo é "uma área em que temos preocupações específicas", já que os preços de referência do produto afetam centenas de outros índices pelo mundo afora. "Temos que garantir que os operadores informem com precisão e que não estejam relatando dados incorretos para tirar proveito de posições financeiras ou físicas", diz ele.

Como princípio geral, manipular os mercados para obter ganhos financeiros é ilegal na UE, assim como nos EUA, mas os advogados e ex-reguladores dizem que fazer uma acusação oficial a respeito raramente é fácil. Para começar, as autoridades precisam provar que houve intenção de ludibriar o mercado, o que pode ser uma tarefa muito difícil no contexto das operações.

Os mercados internacionais apresentam uma série de outras complexidades. O petróleo produzido num país pode ser comprado por um operador em outro país e revendido a alguém num terceiro, criando problemas de jurisdição. Susan Court, ex-diretora da Agência de Fiscalização da Comissão Federal Reguladora de Energia dos EUA, diz que não há uma definição geral de comportamento ilegal no mercado que se aplique a todas as commodities.

"O que uma pessoa considera manipulação, outra vê como negociação no mercado aberto", diz ela. "O problema é que a lei é muito vaga."

Warren Platt começou a publicar um informe mensal sobre petróleo em 1909 e em 1923 lançou um boletim diário com os preços do petróleo. Várias outras empresas, como a Argus Media Ltd. e a ICIS, que faz parte da Reed Elsevier Group PLC, hoje publicam índices para determinados combustíveis. Mas a Platts detém mais de 80% do mercado para os preços à vista e é o padrão no qual boa parte do mundo confia. (A Dow Jones & Co., que publica o The Wall Street Journal e é de propriedade da News Corp., compete com a Platts como provedora de notícias sobre mercados de combustíveis.)

Numa tarde recente, por volta das 16h15, cerca de 25 jornalistas da Platts estavam sentados no 12o andar de um edifício de escritórios em Canary Wharf, em Londres. Eles trocavam mensagens instantâneas com os operadores, perguntando a que preço eles estavam comprando e vendendo barcaças carregadas de óleo diesel. Um repórter repetia os preços para um colega, que digitava as informações num computador e então as divulgava para os assinantes da Platts sob a forma de manchetes.

Como as negociações são feitas em particular no mercado à vista, muitas ocorrem fora do campo de visão da Platts. O resultado, dizem algumas pessoas da área, é que os preços de referência nem sempre refletem o mercado real. (O petróleo também é amplamente negociado nas bolsas de futuros, onde os contratos estipulam preços para entrega numa data futura. Esses preços por barril são muito mencionados publicamente.)

"A curta duração da janela de tempo, o pequeno volume de negócios viáveis e o fato de que pode haver negociações que contrabalançam os preços, mas não são informadas", deixa o processo de definição dos preços de referência "aberto para abusos", escreveu Liz Bossley, diretora-presidente da consultora Consilience Energy Advisory Group Ltd., numa carta de março para a Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários.

A Platts informa que uma das razões pelas quais as empresas relatam as operações é que desejam um mercado transparente. A firma ressalta que acompanha as operações ao longo de todo o dia, mas se concentra na pequena janela [de tempo] porque julga que o preço mais útil é o valor no fechamento. Num comunicado por escrito, a Platts informou que quaisquer dados apresentados para consideração "devem ser firmes e verificáveis, identificados pelo nome da empresa, devem ser executáveis e em linha com o mercado, devem mover-se de forma incremental, devem ser repetíveis e devem estar abertos ao mercado para testes".

"O discernimento é uma parte muito importante do processo de avaliação de mercado", diz o diretor de petróleo da Platts, Dave Ernsberger. Ele diz que a Platts desconsidera quaisquer preços relatados se acreditar que estão sendo usados para manipular um valor de referência. "Ninguém ainda demonstrou para nós um exemplo de manipulação das nossas avaliações", diz ele.

Bektas, o operador de petróleo sediado na Suíça, diz que os operadores sempre tentaram tomar cuidado com condições "imperfeitas" do mercado. "Não é apenas manipulação, mas também uma fraqueza no sistema", diz ele.

Font3e: Valor Econômico/Justin Scheck e Jenny Gross | The Wall Street Journal

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